sexta-feira, 14 de maio de 2010

Novo endereço para a procuradora: Bangu 7

Rio - Do apartamento de 200 metros quadrados, em Ipanema, para uma cela três vezes menor, que terá que dividir com mais nove presas, em Bangu. Desde ontem, esse é o novo endereço da procuradora de Justiça aposentada Vera Lúcia Sant’Ana Gomes, 66 anos, que ficará presa aguardando seu julgamento. Denunciada pelo Ministério Público (MP) estadual por torturar T., de 2 anos, durante os 27 dias em que a menina esteve sob sua guarda provisória, ela se entregou ontem, ao meio-dia, na 32ª Vara Criminal, após oito dias foragida.
Ao receber voz de prisão do juiz Guilherme Schilling Pollo, Vera Lúcia negou o crime e chorou.
No fim da tarde, o magistrado negou o pedido de revogação da prisão preventiva, feito pelo advogado Jair Leite Pereira, meia hora depois de a procuradora ter se apresentado. Ele argumentou que sua cliente tem endereço fixo, não apresenta riscos à sociedade, não possui antecedentes criminais e não estaria causando impedimentos ao bom andamento do processo.
No entanto, em sua decisão, Schilling destacou que manter a acusada presa é necessário para a “preservação isenta da colheita de provas e a garantia da ordem pública”.Em mais um recurso para tentar livrar a procuradora da cadeia e evitar que ela passe o fim de semana presa, o advogado entrará hoje com pedido prisão domiciliar. Terça-feira, três desembargadores da 4ª Câmara Criminal julgarão o mérito do pedido de habeas corpus, impetrado semana passada por Jair Leite Pereira.
O colegiado vai decidir, então, se Vera Lúcia poderá ou não responder ao processo em liberdade. Representante do MP, a procuradora Carla Araújo acredita que o caso seja julgado até julho. Vera Lúcia chegou ao Fórum, no Centro, num Corsa prata, com motorista e segurança. De turbante colorido e óculos escuros, tentou entrar por um acesso privativo, mas teve que descer do veículo e passar pelo aparelho de raios-X. Depois de 40 minutos no gabinete do juiz, ela deixou o Fórum num carro da Polinter.
Na saída, foi xingada por curiosos. “Não precisa atropelar”, disse ela para as pessoas que cercavam o veículo. Na Polinter do Andaraí, assinou registro de cumprimento de mandado de prisão. Enquanto isso, seus empregados foram comprar roupas de cama, material de higiene pessoal e comida. Às 17h10, após exame de corpo de delito no IML, Vera foi levada ao presídio Nelson Hungria (Bangu 7).
A procuradora está presa em uma cela especial com nove mulheres — a maioria responde por tráfico. O local possui beliches, um banheiro e um ‘boi’ — vaso sanitário instalado no chão. O pátio fica na própria galeria, evitando que detentas da ala especial se misturem a outras presas. Vera Lúcia terá que usar uniforme — calça ou saia jeans, blusa branca e chinelos — e não receberá alimentação especial. Ela poderá assistir TV, porque são permitidos até quatro aparelhos por cela.

Justiça mandou Vera pagar psicólogo a T.
A procuradora também terá de custear tratamento psicológico da pequena T.. No dia 6, a juíza Katerine Jatahy Kitsos, da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, determinara que Vera Lúcia destinasse 10% de seus vencimentos para despesas médicas da garota. “Contribuirá para atenuar, desde logo, o sofrimento da criança, proporcionando-lhe a oportunidade de se tornar uma pessoa livre dos traumas acarretados pelos atos praticados pela ré”, justificou a magistrada, em sua decisão.
A Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente também entrara na Justiça com ação por danos morais e materiais contra Vera.Na ação, cujo mérito não foi julgado, o MP solicita indenização por danos morais de R$ 510 mil (mil salários mínimos) e pensão mensal de 10% dos rendimentos da procuradora até T. completar 18 anos. Já a Defensoria Pública pede que a pensão seja paga até a menina atingir 24 anos e multa de R$ 436 mil. Ao julgar a ação civil pública do MP, a juíza determinara a abertura de uma conta corrente no Banco do Brasil e o início do tratamento em 10 dias, prazo que ainda não terminou. O dinheiro será administrado pela Vara de Infância.
Rotina de maus-tratos
Os chocantes relatos de ex-funcionários de Vera Lúcia foram fundamentais para a prisão da procuradora. A denúncia do Ministério Público traz trechos dos depoimentos, que retratam rotina de crueldade e muita dor imposta à pequena T. Relembre alguns:
PRISÃO E VIOLÊNCIA
É de Luzia de Almeida o depoimento mais contundente. “Vera Lúcia mantinha a criança reclusa no quarto o dia todo”, afirmou. Ela relata frequentes tapas no rosto, puxões de cabelo e empurrões. “Um dia, ela bateu o rosto da menina contra a mesa de mármore”, acrescentou. Cláudio Pereira Morgado é outro ex-funcionário que, em depoimento, garantiu ter visto surras diárias. “Eu presenciei agressões em todos os cafés da manhã e almoços em que estive na casa”.
BEBIDA À FORÇA
Luzia lembrou episódio num café da manhã na casa da procuradora, em Ipanema. “Ela estava mais agressiva e mandou T. tomar copo de achocolatado. Como a criança não conseguiu, Vera Lúcia a obrigou a beber três copos, tapando o nariz da criança e jogando a bebida pela boca. A menina engasgava e vomitava. Vera a forçava a beber mais. A criança acabou chorando, toda suja, e foi apanhando na cara até o banheiro”.
OFENSAS
Luzia e Maria Isabel de Castilho revelam os insultos de Vera à menina: “Sua filha da p.! Você não vale nada, sua vaca, cachorra! Você é igual à sua mãe! Piranha! Antes meus bichos do que você, mil vezes meus bichos do que você!!!”.
‘É UM DEMÔNIO’
Sidilania de Lacerda Borges da Silva detalhou quando a menina apanhou após passear num shopping com Vera. “Ela perguntou, aos gritos, por que ela estava tão feliz e dava tapas que a fizeram cair no chão”, lembra. “Ela arrastou T. pelo cabelo até o quarto, onde deu mais socos. A criança agarrou uma boneca de pano e ficou tremendo num canto”, declarou. Dias depois, outra surra. “Ela derrubou a menina da cadeira e gritou para mim: ‘Você está vendo? Ela se comportou no shopping e hoje já apronta! Essa garota é um demônio!!!’”, acrescentou. A ex-empregada acrescentou que, instantes depois, no quarto, viu a menina sangrando na boca.

Reportagem de Christina Nascimento e Maria Mazzei

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