terça-feira, 20 de julho de 2010

Engana que eu gosto!

O americano David Livingstone Smith acostumou-se a polêmicas ao defender suas idéias. Afinal, propalar que o ser humano é mentiroso por natureza e que a mentira é útil à sociedade vai contra o senso comum. Ele defende que o mundo seria um caos se todos decidissem falar a verdade.

Smith afirma que somos programados para enganar desde os primórdios da humanidade. Seja para nos proteger, seja para levar vantagem. Quem mente com desenvoltura, diz ele, pode até sobressair entre os demais. O exemplo clássico é o dos políticos, que mentem por profissão e continuam tendo o ouvido de milhares de pessoas. O motivo? A dissimulação é parte da vida em sociedade e são raras as pessoas com o dom de distinguir um comportamento normal da mentira patológica.

Veja – políticos mentem?
Smith – Políticos são mentirosos profissionais. Eles mentem habilmente e, na maioria das vezes, têm consciência disso. O que eles fazem é captar com precisão os anseios do eleitorado. Eles não estão preocupados se vão conseguir fazer o que prometem ou não. O político mente para se dar bem. Quando ele acredita na própria mentira, seu poder de persuasão se torna infinitamente maior. Hitler foi um exemplo disso. Era um enganador brilhante. E claramente acreditava no que dizia.
Veja – Quando os políticos são apanhados em uma mentira, eles se safam mais facilmente do que as outras pessoas. Por quê?
Smith – É uma questão de sobrevivência. Um político mentiroso quando é obrigado a ir à televisão para se desculpar por suas lorotas está perdido. Ele não ganha nada com isso. Não há nada de moralmente superior no fato de confessar uma mentira, até porque, quando os políticos o fazem, é de modo muito calculado. Mentir convincentemente e ser pego é coisa rara para um político. Como profissionais no assunto, eles se tornaram experts em respostas evasivas e desculpas esfarrapadas para encobrir inverdades.
Veja – Por que acreditamos nas mentiras dos políticos mesmo sabendo que eles são treinados para nos enganar?
Smith – Porque é mais fácil e seguro para nós mesmos nos convencermos delas. Quando alguém diz com convicção que vai melhorar a sua vida, como não querer acreditar nisso? Podemos até desconfiar em um primeiro momento, mas, como é um alento crer nessa hipótese, acabamos nos convencendo. A sensação de prazer trazida por acreditar em algo é inebriante. É um grande prazer para os americanos acreditar que são superiores ao resto do mundo. Se pensassem nisso por cinco minutos, saberiam que não é verdade. Mas não o fazem porque isso lhes traz muita satisfação. É impressionante como nossas escolhas sobre aquilo em que acreditamos são baseadas no que nos faz sentir bem, importantes, esperançosos. É com isso que os políticos jogam.
Veja – Qual a diferença entre uma mentira contada por um político e a contada por uma pessoa comum?
Smith – A contada por políticos tem conseqüências mais graves, mas, na média, não há muita diferença. Passamos a vida fabulando coisas, uma boba aqui, outra mais inocente ali, e as grandes também. É preciso ter em mente que não se trata de maniqueísmo. Da mesma maneira que os políticos mentem, nós também nos enganamos porque queremos acreditar em suas mentiras.
Veja – Como saber que um político está mentindo?
Smith – Isso é muito difícil. Pesquisas mostram que apenas um em 1 000 indivíduos consegue detectar sinais de mentira em outra pessoa. No caso dos políticos, profissionais treinados só conseguem identificar mentiras em 10% dos casos. Políticos são brilhantes em nos distrair com o que dizem. Aqueles que não conseguem mentir bem nunca chegam lá. É uma tragédia pensar que a política é uma das atividades mais vitais nas sociedades em todo o mundo pois é uma das mais irracionais e desonestas que existem.

Veja – Não existe política sem mentiras?
Smith – Infelizmente, não. A democracia é algo maravilhoso, mas funciona por um processo de venda e manipulação. Nesse processo, a mentira é intrínseca. A única proteção que temos contra isso é sermos céticos, críticos e podermos contar com uma imprensa justa, livre e que defenda os cidadãos.
Revista Veja

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